Às vésperas da COP 30, que será realizada em novembro, em Belém (PA), a Amazônia está no centro dos debates globais sobre clima, sustentabilidade e justiça ambiental. Enquanto isso, negócios liderados por jovens microempreendedores da região já apontam caminhos concretos. O projeto Negócio Raiz, iniciativa da Aliança Empreendedora com apoio da Youth Business International (YBI) e financiamento da Standard Chartered Foundation, por meio do programa Futuremakers, reúne histórias de microempreendedores que, a partir de saberes locais, criam soluções ligadas à economia circular, à sociobioeconomia e ao fortalecimento comunitário.
Algumas dessas experiências são o empreendedorismo com moda, por meio do crochê e macramê, e gastronomia, ambas enraizadas em práticas sustentáveis e de valorização cultural. Esses negócios mostram que é possível unir identidade cultural e adaptação climática e que pequenas iniciativas podem inspirar mudanças sociais e ambientais significativas.
“As práticas sustentáveis desses negócios, muitas vezes, estão intrínsecas à forma como a pessoa se relaciona com o meio em que está inserida, oportunidades que a pessoa vê a partir de conhecimentos que ela encontrou, seja na internet ou em alguma capacitação que fez. A inspiração passa a acontecer a partir do momento em que os empreendedores que têm essa prática sustentável começam a ter alcance, começam a mostrar o seu trabalho, o seu produto e daí a importância de dar visibilidade, de apoiar para que essas pessoas consigam ter mais alcance e consigam ser fontes de inspiração para outros negócios que podem surgir nesse mesmo sentido, de utilizar aquilo que a pessoa já tem em mãos e que muitas vezes já é sustentável, já é uma prática cuidadosa com o meio em que vive, com a cultura do território e os saberes que ali existem”, comenta Sidnei Pereira, Assessor de Empreendimentos da Aliança Empreendedora.
Atualmente em seu segundo ciclo, o Negócio Raiz tem o objetivo de fortalecer a sociobioeconomia nas regiões Norte e Nordeste e já impactou mais de 1.800 microempreendedores em dois anos, oferecendo capacitação, acompanhamento e oportunidades de expansão para negócios sustentáveis. Os participantes passam também por encontros temáticos com especialistas, dinâmicas em grupo, lives sobre gestão e crédito, além de mentorias individuais e avaliações de impacto. No próximo dia 29 de outubro, serão anunciados os oito empreendedores mais promissores deste ciclo, que receberão investimento semente de R$ 3 mil, participarão de uma imersão presencial e terão acesso a um evento presencial de fortalecimento dos negócios.
É nesse contexto que surgem as histórias de quem participa da aceleração do ano 2 do projeto, transformando tradições locais em soluções inovadoras para gerar renda, preservar culturas e cuidar do meio ambiente.
Moda regenerativa e pertencimento
Do Pará ao Ceará, o crochê e o macramê deixaram de ser vistos apenas como passatempo doméstico e se transformaram em caminho para geração de renda, autoestima e resistência cultural. Utilizando fios residuais, sementes naturais e técnicas transmitidas por gerações, mulheres mostram que a moda pode ser sustentável, inclusiva e conectada ao território.
Para Ana Paula Lopes Maués (34), em Mocajuba (PA), cada peça carrega a Amazônia em sua essência. Criada em 2022, a marca oferece sandálias e bolsas em crochê, dando um novo destino a materiais que seriam descartados e transformando-os em peças únicas, estilosas e conscientes. “Cada metro de fio que seria jogado no lixo ganha uma nova vida em novas peças únicas e exclusivas, e assim eu vou reduzindo e contribuindo para a redução do impacto ambiental”, comenta.
Além dos fios de malha, Ana Paula encontrou no açaí uma forma de reforçar a identidade amazônica em suas criações. No Pará, onde o consumo da fruta faz parte da rotina diária, toneladas de sementes acabam sendo descartadas. Ela decidiu transformar esse resíduo em matéria-prima para o artesanato.
“Muitas sementes de açaí são desperdiçadas. Diversas pessoas utilizam para replantar, outras utilizam para um adubo orgânico, mas eu, que trabalho com artesanato, decidi utilizar essas sementes, bordando-as juntamente com os fios residuais em uma bolsa ou sandálias. E assim as pessoas que compram vão levando a história e um pouquinho do estado para casa”, explica.
Para a artesã, o crochê representa mais do que uma técnica: é tradição, pertencimento e transformação. “No meu ponto de vista, o crochê, que antes era visto mais como um passatempo, hoje em dia tem me proporcionado uma nova visão. O meu crochê é voltado para a beleza da Amazônia, para fortalecer o vínculo entre as pessoas e a natureza, levando em cada peça não apenas estética, mas uma história, um pedacinho da minha vida, da minha dedicação”, diz.
Já em Belém (PA), Natieli Reis Porto (28), da NatiCrochê — que também participa do ciclo 2 do Negócio Raiz — destaca como a tradição se transformou em oportunidade.
“O crochê na minha vida começou como hobby. Quando percebi que muitas pessoas estavam transformando essa arte em negócio, vi que poderia ser rentável. Hoje trabalho com fios sustentáveis, feitos de algodão reciclado, e o fio Cumaru, produzido a partir de juta amazônica. Isso conecta tradição e sustentabilidade”, afirma.
Ela relembra que aprendeu a técnica ainda na infância, observando a mãe e a tia, até confeccionar sua primeira bolsa aos dez anos.
“O crochê é uma arte manual e não traz o mesmo impacto no meio ambiente como as indústrias. Existem no mercado alguns fios que são feitos de materiais reciclados. Quando comecei a empreender e fiz minhas primeiras vendas, senti uma felicidade enorme em ver a satisfação das clientes, o quanto elas amaram as peças. Ao empreender com crochê, eu não estou apenas criando peças lindas, mas também mantendo viva uma arte passada de geração em geração”, acrescenta.
Outra empreendedora apoiada pelo projeto é Maria Ariadna Miranda Lacerda (34), criadora do Lacer’s Ateliê Criativo, em Maracanaú (CE). “Eu trabalho prioritariamente com resíduos têxteis, transformando-os em crochê, macramê e costura criativa. Se grandes empresas reutilizassem suas sobras, toneladas de resíduos deixariam de ir para os lixões. Para mim, empreender é ser voz para aqueles que são constantemente esquecidos, mostrando que o artesanal não pode ser apagado”, ressalta.
Maria Ariadna também destaca que sua produção é um ato de resistência e pertencimento, unindo técnicas variadas como bordado livre, estamparia manual e reaproveitamento de retalhos de malha. “Quando usamos nossos conhecimentos técnicos e culturais em um trabalho que garante renda e pertencimento, estamos conectados com nossas raízes e transformamos não só nossa vida social, mas o espiritual também é modificado”.
Ela chama atenção ainda para os desafios do setor. “O crochê, o macramê, assim como qualquer artesanato, ainda são vistos com pouca relevância, principalmente na comunidade”, complementa.
Sociobioeconomia e gastronomia afetiva
Na gastronomia, a sustentabilidade também se expressa em receitas que unem saberes ancestrais, ingredientes locais e inovação. Para os microempreendedores apoiados pelo Negócio Raiz, comida é cultura, memória e resistência e pode ser uma aliada na conservação da natureza, contribuindo para deixar a floresta em pé.
Em Fortaleza (CE), Adriana Passos dos Santos (33) é a criadora do Laboratório de Encantos, que ela define como uma “cozinha cultural nômade”. O negócio pesquisa e resgata culturas alimentares afro-indígenas nordestinas, transformando esse conhecimento em uma alimentação saudável, ancestral e inclusiva. A maioria dos produtos é autoral e adaptada tanto ao local onde Adriana vive quanto à sazonalidade dos insumos disponíveis. Entre os exemplos estão geleia de flores comestíveis, tortas de frutas, brigadeiro vegano e a “torta da felicidade”.
“Unimos o uso de ingredientes locais a um trabalho de resgate das plantas alimentícias não convencionais. Resgatamos memórias e sabores que a colonização desvalorizou e fortalecemos pequenos produtores e práticas agroecológicas. Mais do que vender comida, nosso trabalho é político, fundamentado na sabedoria ancestral negra e indígena, mostrando que preservar territórios é manter a floresta e a vida em pé”, explica.
Em Olinda (PE), o microempreendedor José Carlos Souza Farias trabalha com a venda do açaí, cacau e mandioca, fortalecendo a alimentação da comunidade e contribuindo para a preservação do meio ambiente. “O meu plantio de açaí ajuda na alimentação e na preservação da natureza. Aprendi que devemos valorizar nossas culturas e costumes, e percebi que o Negócio Raiz me trouxe muitas ideias de como usar a cultura a meu favor de maneira sustentável”, afirma.
Já em Aracaju (SE), Rayana Machado fundou a Nagô Comidaria, um delivery que transforma afeto em comida e resgata a ancestralidade afro-brasileira por meio da gastronomia.
“Nosso carro-chefe é o acarajé artesanal, mas nosso cardápio traz também pratos que contam histórias, despertam memórias e fortalecem a identidade cultural do nosso povo. Mais do que servir refeições, a Nagô cria experiências que unem sabor, praticidade e representatividade”, diz.
Rayana também destaca que empreender com ingredientes locais é assumir uma responsabilidade coletiva.
“A maior lição foi entender que empreender com ingredientes locais é também assumir uma responsabilidade coletiva. É aprender a respeitar a sazonalidade, lidar com a instabilidade da produção e, ao mesmo tempo, enxergar nisso uma oportunidade de inovar e educar o consumidor. Cada prato que sai da minha cozinha pode gerar renda para agricultores, manter tradições vivas e reforçar o orgulho da nossa identidade cultural”.
A Nagô Comidaria contribui ao fortalecer cadeias produtivas locais, priorizando ingredientes regionais e comprando de pequenos produtores, movimentando a economia de base comunitária. Esse modelo de consumo gera renda, valoriza a biodiversidade e incentiva práticas sustentáveis.
“Acredito que cada vez que escolhemos ingredientes da terra e respeitamos o tempo da natureza, estamos contribuindo para uma bioeconomia que protege o meio ambiente, mantém a floresta em pé e reafirma a importância da nossa cultura alimentar”, conclui.
Sobre a Aliança Empreendedora
A Aliança Empreendedora acredita que todos e todas os brasileiros podem empreender de forma digna e justa, e usa o empreendedorismo como forma de transformar o Brasil. Em 20 anos já apoiou mais de 250 mil microempreendedores, recebendo em 2023 o Prêmio de Melhor ONG de Geração de Renda do Brasil. Neste sentido, capacita e apoia gratuitamente microempreendedores formais e informais em comunidades e periferias de todo o país, gerando inclusão e desenvolvimento econômico social, em parceria com empresas, governos, organizações sociais e interessados na causa. Saiba mais em: www.aliancaempreendedora.org.br.
Sobre a YBIA Youth Business International (YBI) foi originalmente fundada como o braço internacional do The Prince’s Trust (atualmente King’s Trust), criado pelo Rei Charles III. Em 2000, a YBI tornou-se uma organização independente e hoje é a principal referência em empreendedorismo jovem, combinando influência global com expertises locais para apoiar jovens empreendedores ao redor do mundo na criação, expansão e sustentabilidade de seus negócios. Liderando uma rede em constante crescimento, com mais de 60 organizações de apoio ao empreendedorismo em 85 países, a YBI desenvolve e potencializa as soluções mais eficazes para ajudar jovens empreendedores a prosperar – desde o desenvolvimento de habilidades empresariais, incentivo à inovação e fortalecimento de talentos até a viabilização de acesso a mercados e a financiamento. Saiba mais em: https://youthbusiness.org/.
Sobre a Standard Chartered Foundation (SCF)
A Standard Chartered Foundation (SCF) é uma organização filantrópica que combate a desigualdade promovendo maior inclusão econômica para jovens em situação de vulnerabilidade, especialmente para mulheres jovens e pessoas com deficiência. Seus programas são voltados para empregabilidade e empreendedorismo, auxiliando jovens empreendedores e quem busca emprego a desenvolver suas habilidades e acessar redes, oportunidades e suporte necessários para alcançar autonomia e participação econômica.
Fundada em 2019, a SCF é uma organização registrada como sem fins lucrativos (número de registro 1184946) na Inglaterra e no País de Gales e atua como principal parceira na implementação do Programa Futuremakers by Standard Chartered, uma iniciativa global voltada para a inclusão econômica de jovens. Saiba mais em: www.sc.com/scfoundation.







Bolsa produzida pela Natieli/ Divulgação
Açaí do José/Divulgação
Pão de fermentação natural e assados na folha de bananeira, da Adriana/Divulgação
Biscoito da felicidade, receita autoral, biscoito crocante com geleia de flores comestível, e um brigadeiro vegano a base de leite de coco, da Adriana/Divulgação
Chinelinho na Ana/Divulgação
Bolsas da Ana/Divulgação
Chaveiros da Maria/Divulgação