Há muito tempo as ruas das cidades brasileiras denunciam o aumento da pobreza a que fomos levados em razão da falta de oportunidade de trabalho e do modelo econômico gerador de desigualdade social. O número de moradores de rua cresceu de forma assustadora. O período da pandemia expôs a chaga social que vivíamos e se mantém até este início de 2024.
Em meio a esta população excluída socialmente e que luta por uma inclusão social, encontra-se um grupo de trabalhadores que atua pelas ruas, desempenhando função de relevância excepcional para a sociedade: são os carroceiros da cidade, catadores de material reciclado que, com suas carroças, percorrem as ruas coletando materiais, os mais diversos, para posterior venda a fim de que sejam reciclados.
Há algum tempo surgiram as cooperativas de catadores cujo objetivo é de reunir estes trabalhadores e dar à coleta maior valor e significado na profissão. Ainda assim, a distribuição de ganho entre os cooperados é irrisória. O Ministério Público do Trabalho fez um vídeo excepcional em torno da atividade dos trabalhadores em produtos recicláveis que vale a pena assistir para compreender o mínimo do que vivem.
Os carroceiros passam o dia inteiro entre os automóveis, enfrentando frio, calor e chuvas, com motoristas que muitas vezes se incomodam com o trânsito, mas não com a condição social da pessoa que puxa a carroça. O carroceiro amanhece, trabalha e vive um dia de cada vez, alimentando uma esperança de curta duração. O retrato social precisava de iniciativas mais humanas que buscassem a inclusão social desses trabalhadores. Após um dia de coleta, uma carroça lotada de material reciclado, rende para o carroceiro em torno de R$ 15,00. Em épocas de grande oferta de material reciclado, por exemplo época de festas, o comprador reduz o valor de compra do quilo e o catador não tem alternativas para impor seu preço.
Merece destaque, nestas iniciativas, o trabalho do Mundano, ativista, que criou o @pimpmycarroca, ong destinada a promover os carroceiros, fazendo trabalho social de muita relevância com conscientização e significação política da valorização do trabalho que desempenham os carroceiros. O Mundano também criou um aplicativo para os carroceiros, chamado @catakiapp, pelo qual interessados do Brasil inteiro podem acessar carroceiros que estejam mais próximos do local de coleta para que retirem os materiais a serem reciclados.
Preocupado com a valorização dos carroceiros, desde agosto de 2018, criei um perfil no Instagram denominado @carroceirosdacidade cujo objetivo sempre foi dar visibilidade aos carroceiros e enaltecer a importância da atividade que exercem. Para isto, o perfil aponta os carroceiros que encontramos pelas ruas e estradas, com mulher e filhos, algumas vezes com curta entrevista para situar as condições em que o trabalho é executado. Contei com a colaboração de alunos e amigos seguidores que, quando encontravam um carroceiro, logo me encaminhavam a foto.
Nestas andanças, pudemos constatar que nem sempre a carroça pertence ao carroceiro. Em geral é do depósito de compra do material recolhido e a carroça é emprestada ou “alugada” com a finalidade de manter a exclusividade do recebimento da coleta diária. Outras vezes, quando a carroça é do carroceiro, ele luta para ter um lugar para deixar estacionada, sempre preocupado que não seja roubada.
O site do Tribunal Superior do Trabalho, em 20 de dezembro de 2023, trouxe a seguinte notícia: “Justiça do Trabalho cria grupo para propor melhorias nas condições trabalhistas de catadores de recicláveis”. A notícia informa que se trata de iniciativa que tem “objetivo de propor projeto institucional no âmbito da Justiça Trabalhista, o grupo vai elaborar uma proposta voltada ao fomento do trabalho decente para catadores e catadoras de materiais reutilizáveis e recicláveis. Além disso, deve promover a valorização das pessoas, o trabalho decente e a sustentabilidade, bem como incentivar o respeito à diversidade e um meio ambiente do trabalho com saúde e segurança para os trabalhadores.”
Oxalá a Justiça do Trabalho e o grupo de estudos possam levar adiante, de forma objetiva e concreta, melhoras nas condições de trabalho de catadores, promovendo o respeito ao trabalho decente, além daqueles trabalhadores protegidos pelo regime da CLT.
*Paulo Sergio João. Advogado e Professor de Direito do Trabalho da PUC-SP